Eu amo a cidade.

É um amor idiota, quase sem sentido. Eu entendo aqueles que a odeiam, entendo tanto que me sinto mal por tanto a amar.

A cidade é terrível. É um lugar sujo, cheio de ideia idiota e gente esquisita. Você não vê o céu, não ouve os pássaros, não sente cheiros. A cidade é a casa das doenças respiratórias, uma fábrica de câncer, o fim do que é natural.

E ainda assim eu a amo.

Amo saber que enquanto ando tenho companhia. Amo compreender que cada prédio, praça e casa teve a participação de dezenas, quem sabe centenas de mentes para ver sua construção pronta. Eu gosto de saber que existe gente, que existe um lugar que mostra isso como nenhum outro. Eu amo essa mistura enorme de pessoas.

E não sei como devo me sentir sobre isso.

Entendo que como alguém que quer ter filhos a cidade não é o melhor dos lugares. Entendo que como alguém que ama a natureza amar a cidade é bobagem. 

Eu não sei se queria parar de me sentir assim.

Meu amor pela cidade talvez seja só produto do meu amor pelas pessoas, e esse amor pode se satisfazer em qualquer outro lugar que não lá, na selva de pedra, na ilha de calor miserável onde tudo o que há de ruim se mostra.

E há também minha aversão ao isolamento e à distância. Eu não quero estar longe dos outros. Eu quero acordar e saber que logo ao meu lado, e quem sabe também acima e abaixo de mim tem gente. Basta olhar pela janela, basta manter meus ouvidos atentos e eu vou ouvir o burburinho das pessoas.

A cidade não precisa de mim. Meio milhão de pessoas nunca me conhecerá. Eu me sentirei misturada, parte de algo maior que nunca precisará conhecer minhas minúcias. Diria que serei como um comentário num código, mas não. Se parte de mim se for, se eu mudar, nada mudará se não para aqueles que são realmente próximos de mim.

Eu nem sei dizer qual é o ponto de tanto questionamento.

Será eu não aceitando quem sou? Será que vou pra sempre me importar com as questões mais tolas, com os pontos mais simples? Será que eu, do início ao fim, em cada parte de quem sou, vou tornar-me um incômodo para os planos que eu mesma faço?

Eu amo a cidade porque sou idiota. Porque sempre vou gostar daquilo que é quebrado pela ideia tola de que posso arrumar. Talvez eu ame a cidade porque ela é um reflexo de tudo o que sou: bagunçada, humana demais. Ou eu a ame assim como amava o design: só na teoria. 

No dia a dia, quem sabe, uma cidade enorme me causaria nada além de incômodo e reclamações. O bumerangue da esperança por mim jogado voltaria na minha cara vez após vez na forma de cada defeito de uma grande São Paulo. Ele voltaria nas nuvens escuras de poluição, na chuva ácida, no apartamento caro e apertado. Eu nunca teria o retorno por tais coisas.

Eu não sei o que estou diminuindo. Não sei se sou eu, um sonho ou só uma esperança vã, um gosto bobo que merece que dele seja feito pouco caso.

É como a programação. Mesmo que eu alcançasse, seria boa o suficiente? Suportaria o peso de sentir-me responsável, de querer tudo mudar?

Mesmo que eu ame a cidade, eu nunca vou me amar o suficiente para estar lá. Ou talvez eu me ame, me ame tanto que vou me manter longe desse lugar.